O objetivo é dar uma correta destinação a produtos apreendidos e doados pela Receita Federal, transformando-os em novos produtos, ecológicos e sustentáveis.
Em uma batedeira doméstica, no Laboratório de Tecnologias e Processos Sustentáveis (LATEPS) da UNILA, Luisa mistura resíduos da destilação de vinho, azeite e ácido esteárico (obtido da palma), que com técnica, tempo e paciência irá se transformar em um sabão multiuso. O produto é objeto de pesquisa de Luisa Parra Sierra, bolsista-técnica de nível superior da Fundação Araucária, que atua no LATEPS.
Os materiais que são utilizados na pesquisa foram doados pela Receita Federal, totalizando 300 litros de vinho e 50 litros de azeite. O resíduo de vinho – ou vinhaça – utilizado na fabricação do sabão é “aproveitamento do aproveitamento”. Ele é resultado da destilação do vinho para obtenção de etanol, que depois é diluído e transformado em álcool para limpeza e desinfecção de laboratórios na UNILA.
A atividade de destilação teve início na pandemia, quando as bebidas doadas foram transformadas em álcool glicerinado para, naquele momento, ser distribuído às unidades de saúde do município. A planta de destilação, como é chamado o conjunto de equipamentos, ficou parada por um tempo, mas a produção está sendo retomada. “A destilação gera uma quantidade de resíduo muito grande. Então uma forma de utilizar esse resíduo é fazendo a transformação num novo produto”, explica a docente da área de Química e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Energia e Sustentabilidade (PPGIES), Marciana Machado. Ela e a também docente de Química e do PPGIES, Caroline Gonçalves, orientam o trabalho de Luisa.
Além de sabão, o azeite também está sendo usado para a fabricação de velas, produto que ainda está sendo formatado. “Queremos aproveitar 100% dos resíduos que a Receita está nos doando”, comenta Caroline. “O laboratório também acaba produzindo muitos resíduos, como a vinhaça, e não queremos que sejam descartados no ambiente. Uma solução é a transformação em outros produtos ecologicamente corretos e sustentáveis”, completa.
O projeto foi iniciado em janeiro, com testes e provas de qualidade, e a produção em escala começou em maio. Até o momento, Luisa fabricou 350 unidades de sabão. Parte dessa produção será destinada à Receita, outra a unidades da UNILA, mas a intenção é que a maior parte do material possa ser doada a pessoas com dificuldades financeiras para a obtenção de produtos de limpeza.
Chegar ao produto final demandou muitos testes. O azeite apreendido não atende as especificações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Análises de cromatografia, comenta Luisa, mostraram que o azeite apreendido, na verdade, é uma mistura de diferentes óleos como de soja, de girassol e, em quantidades mínimas, de oliva. “A gente demorou aproximadamente dois meses para conseguir a receita correta porque, como é um uma mistura de óleos, cada um tem um índice de saponificação diferente”, explica a bolsista.
Cada lote produzido passa por testes físicos e químicos. “O sabão está atendendo os requisitos de qualidade exigidos pela Anvisa, mesmo que o produto esteja sendo fabricado em âmbito de pesquisa”, diz Luisa. Entre esses requisitos estão o indicador de pH que deve ser menor que 11, no caso, o sabão multiuso em 10, padrão na indústria de limpeza.
O tempo de produção do sabão leva de 30 a 40 dias, a maior parte destinada à cura. Depois de processado na batedeira, o sabão é despejado em formas de silicone que são colocadas em estufas até que o processo de saponificação esteja concluído e o produto apresente a característica ideal para ser usado. Pronto, o sabão passa por uma bateria de testes. “No momento, esse sabão não é recomendado como desinfetante. Não é antisséptico, mas pode ser usado para limpeza em geral.
Futuro
Com os materiais à mão, “as ideias vão surgindo e a gente vai aplicando”, diz Marciana sobre a produção de velas, também tendo o azeite como produto principal. A receita em desenvolvimento agrega cera de abelha “porque o óleo é muito líquido e precisa mais consistência”, explica a docente.
Já foram realizados alguns testes, mas o produto ainda precisa adequação. “Para fazer as velas só com o óleo ele precisaria passar por um processo de hidrogenação, mas não temos como fazer aqui no laboratório. Com a cera de abelha e o ácido esteárico estamos conseguindo. Mas ainda falta adequar quantidades e tempo”, comenta Luisa. Futuramente, a ideia é agregar cores e aromas às velas, como o da citronela, por exemplo, fazendo com que possam ser usadas como repelentes do Aedes aegypti.
Além da produção de sabão e velas e outros produtos que possam ser formatados para distribuição para moradores da cidade, as pesquisadoras esperam ampliar o projeto também para a extensão, trazendo estudantes para o laboratório, como uma forma de envolver a comunidade nas ações da UNILA. “Tanto na graduação como na pós-graduação, e no PPGIES a gente pensa bastante nisso, temos que ter projetos que impactam a comunidade, que envolvam mais pessoas, mais atores dos programas. Então a ideia é que esse projeto vá se transformando em algo maior”, espera Caroline Gonçalves.